Os efeitos do poder da imagem, nos levam a refletir a importância da constituição de um corpo, como unidade da imagem corporal. A imagem que o sujeito acredita ter do seu próprio corpo é sustentada na formalização das experiências de gozo sobre o corpo.

A contribuição advinda da "clínica do autismo e das psicoses, nos ensinam as dificuldades para construir essa unidade do corpo que aparece em muitos fenômenos como precária, a mercê do real do corpo despedaçado"[1]. Isso coloca em evidência o problema da fragmentação do corpo, que precisa dar "corpo ao que não se tem"[2]. Tomando o exemplo de Brousse, um bebê experimenta sensações corporais múltiplas, orgânica, mas não tem uma unidade do corpo, como por exemplo, os seus membros não lhe pertencem[3].

"Não há corpo para um sujeito antes que a imagem especular tenha dado consistência imaginária à experiência proprioceptiva de seu organismo"[4]. Para ter um corpo imaginário, segundo Bassols:

Não se trata somente da imagem especular do corpo, de sua representação imaginária tomada como Gestalt, como imagem perceptiva na qual se fundam os fenômenos vinculados à identificação denominada homeomórfica, feita de simetria e reversões. Trata-se também e, sobretudo, da experiência de ter um corpo como unidade na qual se localiza uma satisfação pulsional, uma experiência de gozo[5].

Portanto, a criança tem um júbilo diante da sua imagem, sendo sua primeira experiência de gozo no corpo. "O corpo imaginário é uma forma de nomear esse momento inaugural da injeção de gozo no corpo."[6] Essa experiência, Lacan distingue das formas imaginárias de identificação. A imagem não se reduz a uma Gestalt. No mundo animal tem somente a função de captação imaginária. A unidade da imagem do corpo não acontece só com a imagem do espelho desde o exterior. "É preciso ainda que a própria imagem tome corpo nessa unidade localizando a experiência pulsional do gozo."[7]

Essa imagem integrada não se produz para a criança sem a linguagem, ela adquire no registro do simbólico uma função significante e essa imagem produzirá, a partir daí, ressonâncias no corpo, no corpo da imagem habitado pela pulsão sempre parcial. "Assim, a imagem do corpo é sincrônica do que podemos chamar, (...) o corpo da imagem"[8]. É o que nos esclarece Bassols.

Miller ressalta sobre a construção borromeana enfatizando que é pelo viés de sua imagem que o corpo participa primeiro da economia do gozo. O corpo condiciona tudo o que o registro do imaginário aloja de representações: significado, sentido e significação. É no corpo imaginário que as palavras da língua fazem entrar as representações, que nos constituem um mundo ilusório sob o modelo da unidade do corpo[9].

Então, a unidade do corpo é uma construção ilusória que pelo viés de sua imagem revela seu múltiplo poder de captação do gozo. Isso se constata na clínica perturbações "tanto no sofrimento do sintoma, quanto no prazer do fantasma"[10]. O poder da imagem não pode se reduzir, no ser falante, de forma unívoca sem a mediação da linguagem e seus equívocos.