¡¡¡¿¿¿HORMONIZAÇÃO???!!!
_Dora G. Saroka

A sanção na Argentina da Lei de identidade de gênero é sem dúvida um exemplo da profunda transformação da ordem simbólica em nossa época e do reconhecimento da existência de diferentes modalidades de gozo.

A mesma em seu artigo primeiro estabelece o direito de toda pessoa que lhe seja reconhecida sua identidade de gênero o seu livre desenvolvimento conforme esta identidade. No artigo segundo a define como "a vivência interna e individual do gênero tal como cada pessoa a sente, a qual pode corresponder ou não com o sexo que lhe foi atribuído no momento do nascimento, incluindo a vivência pessoal do corpo" e em função desta definição, autoriza o que é inovador: "a modificação da aparência ou a função corporal através de meios farmacológicos, cirúrgicos ou de outra natureza, desde que isso seja livremente escolhido".[1]

Como aponta N. Yelatti, desde esta perspectiva, na escolha do sexo se desconhecem as identificações inconscientes e seu papel determinante e se faz depender de um sujeito da consciência a responsabilidade da dita escolha.[2]

Lacan, no Seminário 20, com as fórmulas da sexuação, apresenta dois lados que definem o acesso a uma posição, inconsciente, na mesma, segundo a relação do ser falante com um modo ou outro de gozo. Isto depende de como se posiciona o sujeito no que diz respeito ao significante fálico, do seu consentimento ou refutação do mesmo. Como observa G. Brodsky: "esta vinculação que faz Lacan entre o sujeito e o falo em termos de aceitação ou rejeição lhe permite falar da sexuação como de uma escolha que vai além das identificações imaginárias e simbólicas, que coloca em jogo "a insondável decisão do ser" em termos de gozo".[3]

Com a entrada na adolescência é posta à prova como se deu para cada sujeito esta insondável decisão, quando tem que encontrar sua posição em relação ao despertar pulsional que o atravessa.

A "metamorfose" que transforma a puberdade, quando começa a incidir com suas marcas no corpo, pode ser motivo de um profundo sofrimento para alguns jovens que não aceitam a imagem que lhes devolve o espelho e se consideram "um corpo equivocado". Eles contam com toda a informação que a época põe ao alcance da mão, tanto no plano jurídico como no científico. Podemos constatar já na clínica, que é possível escutar alguém muito jovem que anseia um tratamento hormonal para adquirir formas ideais diferentes das do seu sexo biológico.

Uma das respostas que oferece a medicina para incidir no real das formas do corpo é a hormonização: "Consiste na administração de distintos fármacos com a finalidade de modificar alguns caracteres físicos que se associam convencionalmente com o masculino e/ou o feminino, denominados desde o campo da medicina "caracteres sexuais secundários".[4]

Este é um procedimento perante o qual o médico não se horroriza nem retrocede. Alem do mais conta com o respaldo da lei que o converte em um direito e basta com o consentimento informado do sujeito (se tem 18 anos) para implementá-lo.

O encontro com a sexualidade é traumático para todo ser falante. Descobre seu modo singular de tratá-lo com os significantes e recursos que oferece cada momento da civilização.

O analista, "no auge da subjetividade da época", como se comportará com seus preconceitos? Como acompanhar a um sujeito para que encontre sua "solução" para responder à impossível harmonização* com o próprio corpo e com a diferença sexual? O qual também dependerá de que o sujeito consinta a por em questão a sua "determinação", ou se movê-lo de uma convicção inabalável que, contrariada, poderia ter um alto custo em sua subjetividade.

Uma grande prudência se impõe.

NOTAS

  1. Lei de identidade de gênero, disponível em: http://www.ms.gbagov.aar/sitios/tocoginecologia/files/2014/01/Ley-26.743-IDENTIDAD-DE-GENERO
  2. Yeltti, N. "Transexualismo", em Textos do VI Enapol, disponível em: www.enapol.com
  3. Brodsky, G. "Sintoma y sexuación", Del Edipo a La sexuación, Bs. As, Paidós, 2001, p.49.
  4. Em "Atención de La salud integral de personas trans", encontrado em: www.msal.gob.ar

Tradução: Ceres Lêda F. F. Rubio
Revisão: Dormelina Silva Pires