JOVENS APAIXONADAMENTE TRISTES
_Etel Stoisa

E. Laurent propõe ler as paixões do ser (amor-ódio, ignorância ou indiferença), paixões de alienação ao Outro, a partir das paixões da alma, paixões de separação, aquelas nas quais o falasser se corta do Outro (série que privilegia a tristeza e a mania). Na prática psicanalítica com jovens encontramos modalidades de apresentação que acentuam a tristeza, que costumam oscilar com estados hipomaníacos propensos ao acting e/ou à passagem ao ato. O despertar da puberdade perturba os semblantes infantis, o laço com o corpo próprio, com o Outro e os outros. Trata-se de um intenso trabalho de luto que põe em xeque a função do objeto a como causa de desejo. Podemos falar então de uma nova separação. E, se é isso, o jovem entristecido não seria aquele que se vê confrontado com o furo no real que se abriu a seus pés e o fez submergir no desamparo? Como assinala Diana Chorne, a tristeza é um afeto que constata a dignidade do sujeito em luto. No entanto, os jovens que recebemos afligidos pela tristeza, apaixonadamente tristes, apresentam fenômenos de mortificação no corpo (cortes, anorexias, bulimias), ideação e/ou tentativas de suicídio, inibição no laço e na relação ao saber. Rechaço do inconsciente, com retornos de gozo, que afetam intensamente o sentimento de vida, a regulação das funções, a homeostase vital. Esta tristeza se enquadra no que Lacan assinala em Televisão. Padece de tristeza aquele que renuncia a bem dizer seu padecimento em benefício de um gozo que o mortifica. É a covardia de recuar diante do desejo de saber do inconsciente ou a situar-se a respeito do inconsciente. Em uma época em que impera a fragilidade do simbólico e o empuxo a gozar de objetos imaginários, de imitação, que proporcionam satisfações ilusórias, encontramos frequentemente sujeitos extraviados em relação a seu desejo e, em maior ou menor medida, expostos a um gozo sem limites, a um gozo mortífero.

A ética da psicanálise aposta em gerar um espaço para o falasser que sofre. Alojar a singularidade da dor de existir que violenta o corpo e o sentimento de vida, dando lugar à instalação da transferência, é o passo preliminar a um tratamento possível. Trata-se de tentar perturbar a descrença no Outro, erodindo o rechaço ao inconsciente e/ou mitigando as irrupções de um gozo impossível. Assim uma jovenzinha submersa em uma intensa tristeza e desamparo, a partir de um cataclismo familiar, sofre e se identifica ao significante ‘louca’ que a faz Uma com o Outro materno quando as ideias de se matar se impõem. Perdeu os laços com a escolaridade e com os amigos. Insone, deixa de comer, se auto agride com cortes no corpo e se culpabiliza pelo desmoronamento familiar. Terá que esperar a oportunidade de surpreender o gozo mortificante, quando a transferência se instalar. O uso na sessão de um objeto da época – o computador –, de sua língua (a internet), possibilita um passo para a abertura do inconsciente. O segredo do gozo se põe em jogo na experiência. Uma ficção em que se reconhece enamorada de um personagem morto: um amor impossível. A perspectiva da loucura recai sobre o amor ao morto. A intervenção analítica destaca o vivo do personagem e da novela construída, tendendo a reduzir o gozo da loucura e destacando o lugar de tela da ficção. Produz-se um giro vivificante do amor ao morto na linhagem paterna.

Inicia-se assim o desvelamento da armadura do amor ao Pai e se anima o desejo de saber. A vivificação do amor ao pai, o amor como parceiro do sujeito, se desloca para enamorar-se de um menino de sua idade.

A tristeza cedeu lugar ao amor e ao saber e as experiências de gozo abrirão outras interrogações para o sujeito. Neste caso, retomando a colocação de Miller, o amor e o saber operaram como máscaras para velar o puro desejo que Lacan nomeia como dor de existir que poderíamos atribuir à apresentação melancólica com a qual a jovem chega à consulta.

Outra adolescente nos interroga em uma vertente diversa da melancolização. Sem o amparo que o discurso estabelecido outorga, o ódio passional, um rechaço radical em relação ao Outro parental, irrompe simultaneamente como um ódio sem limites dirigido a si mesma. A analista se faz depositária de inumeráveis escritos, que descrevem e registram uma dor impossível de suportar. Identificada ao dejeto, somente encontra certo alojamento na experiência analítica, que alivia transitoriamente o gozo à deriva que a afeta no corpo e no pensamento. A resposta possível do sujeito à beira da passagem ao ato suicida é, nesse caso, a auto internação.

A prática analítica com jovens nos conduziu a localizar o amor e o ódio que singularmente se abrigam, de diversos modos, no falasser apaixonadamente triste. A aposta do analista, sua presença, renova o desafio de perturbar a fixidez do gozo em excesso do qual padece o sujeito apaixonado dando lugar a um gozo possível, a um gozo vivível.

Tradução: Maria Inês Lamy - EBP/AMP

NOTAS

  1. Laurent, E.: Los objetos de la pasión. Ed. Tres Haches.
  2. Chorne, D: “La tristeza, el duelo y las neurosis melancolizadas”. Em: Revista Consecuencias 3. 2009.
  3. Lacan, J.: “Televisão”. Em: Outros Escritos, Ed. Jorge Zahar Ed., 2003.
  4. Miller J. A.: “Una lectura del Seminario De un Otro al outro”. Em: Revista Freudiana 56, ELP Catalunya, 2009. (Agradeço a Leonardo Gorostiza esta referência ).