AS PAIXÕES NAS CRIANÇAS E NOS JOVENS HOJE
_Marcela Errecondo

As paixões nas crianças tomam o corpo ou melhor, são "o efeito dos afetos sobre o corpo," o corpo é afetado pelos ditos[1], é por isso que Lacan vai dizer que nenhum afeto e nenhuma paixão podem ser entendidos fora da relação com o significante [2]. Eu tomarei as três paixões que estamos trabalhando para o IX ENAPOL.

 

Ódio

Elena (4 anos) acaba de ter seu primeiro irmãozinho. Em suas manifestações de amor pelo bebê, ela se desdobra em cuidados para consolá-lo, dar-lhe comida, oferecer-lhe seus brinquedos, dizer-lhe belas palavras. Finalmente, com entusiasmo, ela propõe lhe dar um banho em sua banheira e diz: "ele vai gostar de estar na água e eu vou lavar e lavar e lavar e lavar até que desapareça como o sabão na água."

Finalmente, a intenção de destruição do rival faz a sua aparição. O ódio corresponde ao desejo de morte em relação ao rival no amor e reprimido, o ódio pode reforçar um amor intenso[3]. "Ele odeia, aborrece e persegue com fins destrutivos todos os objetos que são para ele uma fonte de sensações desagradáveis, independentemente de que signifiquem uma frustração da satisfação sexual ou da satisfação de necessidades de conservação.[4]"

 

Cólera

Nós tomamos a cólera como a irrupção de um real. Também está vinculada ao significante e isso a diferencia da violência que está fora do sintoma, porque é uma falha do recalque. Mas a cólera pode levar à violência se ocorrer um curto-circuito em relação ao Outro, onde não há palavra. Lacan nos diz que essa irrupção do real se produz em uma trama simbólica em que "as cavilhas não entram nos furinhos".

A mãe de Federico (8 anos) consulta preocupada com o filho que manifesta muita raiva. Federico é muito inteligente e fala com um vasto vocabulário, ele conta o que gosta, especialmente "suas investigações secretas". Trata-se de suas ficções sobre invenções químicas, raios poderosos, bunquers de proteção. Depois de algumas sessões ele confessa: "Tudo o que eu te disse é mentira. Se eu tivesse todos os poderes, eu dominaria o mundo". Ao que respondo que as histórias foram excelentes e corto a seção.

No próximo encontro, ele me diz: "Meu problema é que fico com raiva e sinto vontade de bater. Mas eu não bato. Meu irmãozinho me incomoda. Meus colegas tiram sarro de mim porque eu sou o menor da série. E também quero tudo para mim e nada para o meu irmão. Mas quando ele não está lá, eu vou dormir em sua cama porque sinto falta dele".

A partir daí outras preocupações se desdobram, a ideia de uma possível separação dos pais, a morte que pode vir em qualquer idade "Até mesmo para os bebês, e até se pode nascer morto!!".

Esse desdobramento acompanhado de um movimento na posição da mãe que parou de confrontar seu filho para encontrar outras maneiras, uma presença maior do pai, dilui suas explosões de cólera.

 

Indignação

Os país de Luis (7 anos) estão em proceso de separação devido a uma infidelidade do pai. Nas palavras de cada um, a criança aparece como uma ‘sequela de guerra’ de seus ajustes de contas, onde se trata de fazer o outro pagar pelo que fez.

A mãe se queixa. Luis é hiperativo, agressivo, insuportável, não dá importância a ninguém e ninguém o aguenta. Ela quer que o pai “creia no tanto que Luis está mal por sua culpa e que aceite que tem que tomar remédios para que se comporte”. Como os remédios não lhe caem bem, decidiu suspendê-los por enquanto e me deixa a tarefa de “fazer com que o pai veja esta realidade”.

Depois de algumas seções, Luis me dirá: “Você sabe do que eu sofro? Eu sofro com o remédio. Ele fica na minha garganta e depois cai até na barriga. Não me faça falar porque me dá vontade de vomitar”. Ele vai se queixar que a mãe não o leva na escola para ir fazer pagamentos com ela e que não lhe dá os materiais de tecnologia, assim ele perde todas as atividades da escola. “Então falo qualquer tipo de coisa e grito”.

Ele não veio à seção e me explica os motivos. “Esse garotinho do meu papai não veio me buscar, vem quando quer”... “Meu papai me disse que me comporto mal porque tenho o sangue meio loucoAo perguntar sobre esta expressão ele me diz que “É como quando alguém enxagua a boca e faz bochechos”. Daí seus movimentos e saltos constantes.

Tradução: Cristina Drummond - EBP/AMP

NOTAS

  1. Susana Goldber, Eric Laurent, el argumento del CEREDA.
  2. Lacan, J. “La identificación”. (Seminario inédito), clase del 2 de mayo de 1962.
  3. Freud, S. “A propósito de un caso de neurosis obsesiva”. Obras completas, vol. X, pp. 143, 186-188. “La predisposición a la neurosis obsesiva. Contribución al problema de la elección de neurosis”, vol. XII, p. 345. Del argumento del IX ENAPOL ODIO, CÓLERA, INDIGNACIÓN: desafíos para el psicoanálisis.
  4. Freud, S.:“Pulsiones y destinos de pulsión” [1915] en Obras Completas. Amorrortu Editores. Buenos Aires, 1990, vol. XIV, P.132.