SECRETO Y EL MALENTENDIDO EN LA FAMILIA POSTMODERNA
_Elida Ganoza

Qual é a função da família, a partir da psicanálise, se sabemos que a família não pode ser definida como uma unidade natural, baseada na finalidade da reprodução? Para Lacan, a família é uma estrutura de relações simbólicas que nem sempre coincide com a unidade biológica. Na verdade, não há nada natural na família.

Um dos temas que se desprendem do argumento levantado por Daniel Roy, para as Jornadas do Instituto Psicanalítico da Criança de 2021, é o da família, a de hoje, pós-moderna. Ele se pergunta: "O que está na base, quanto à transmissão, nessas modalidades de família? O que se transmite? A criança terrível está sempre localizada no interior de cada uma de nossas famílias, como um condensador de gozo?[1]

Jacques-Alain Miller, no discurso de encerramento das Jornadas Valencianas, nos convida a nos interrogarmos sobre a família: "[A família] é composta pelo marido, pela mulher e os filhos? Não, é formado pelo Nome do Pai, pelo Desejo da Mãe, pelos pequenos objetos a"[2]. Também se pergunta se eles estão unidos por laços legais, direitos e obrigações; também responde que não. "A família é, essencialmente, unida por um segredo, por um não dito, que é sempre um segredo sobre o gozo, de que gozam o pai e a mãe"[3]. O gozo aparece em primeiro plano e, quando uma criança nasce, o mal-entendido irrompe e é transmitido como um nome do insuportável.

Lacan destaca em "Nota sobre a criança", que o real que se transmite na família conjugal tem uma função de resíduo, que a sustenta e a mantém "na evolução das sociedades", e que essa manutenção se deve ao caráter "irredutível de uma transmissão, que é a de uma constituição subjetiva, implicando a relação com um desejo que não seja anônimo". Lacan propõe que a mãe tem um interesse particularizado pelo filho e que o pai sustenta "uma encarnação da lei no desejo"[4].

Desde Freud, sabemos que não há um objeto predeterminado da pulsão. Lacan nos propõe que há ausência de um programa biológico que determine a proporção sexual e é por isso que podemos dizer que, o encontro entre um homem e uma mulher, é um encontro marcado pelo mal-entendido. "O mal-entendido entre os seres falantes não é acidental nem contingente, é estrutural. A transmissão de um real se explicita, enfatizando os gozos dos parceiros, que se unem semalentendendo. O equívoco dos gozos de cada um, desse homem e dessa mulher que se unem por amor, para conceber a cria humana. Nasce-se, como produto de um mal-entendido e esse é o trauma"[5], é o produto da inscrição da não relação sexual no corpo falante, no encontro com lalíngua. Encontro traumatizante, por sua condição fora de sentido, onde se joga a insondável decisão do ser, que fixa um gozo precocemente. Trata-se de um mal-entendido que está relacionado ao gozo. Nesse sentido, cada ser falante é um servo do segredo do gozo familiar.

No encontro sexual, do que se goza, é sempre uma parte do corpo do outro e essa parte do corpo do outro, do lado masculino, é significantizada como objeto causa de desejo, como objeto a; e, do lado feminino, o que a ela interessa é a parte do corpo dele, onde ela encontra o significante de seu desejo, em termos do falo.

Da mesma forma, Lacan, em sua Conferência em Genebra sobre o Sintoma[6], alude ao fato de que o próprio do gozo sexual é traumático, ao introduzir algo da ordem do furo no Real, confrontando o sujeito com algo que lhe é estrangeiro, que não tem sentido. É isso que está no centro da articulação do sintoma, ou seja, que o sintoma da criança expressaria o que existe como divergência, como mal-entendido entre um homem e uma mulher, entre o masculino e o feminino.

Mas, a família pós-moderna não é mais regida por um significante mestre, está agora regulada pela exigência de mais-de-gozar, o que tem como consequência, o reino do gozo que não favorece o compromisso com o simbólico e, portanto, tampouco favorece a dimensão de filiação e da transmissão, mas sim, o exercício do gozo pulsional do Um.

Mas, também é preciso levar em conta, que as mulheres introduzem na lógica das relações, um elemento singular que não se reduz à pura ação do significante. "O gozo feminino, implícito de múltiplas maneiras, na sigla DM, que cifram naquela fórmula, o Desejo da Mãe, funde as raízes desse desejo materno, em um campo que está sempre além ou mais aquém do gozo fálico. É o campo do gozo feminino, o gozo do Outro, que se aninha em toda unidade familiar"[7].

Nessa linha, e seguindo a abordagem de Bassols, podemos conceber a família como um aparato de gozo, onde, o que não pode ser dito, o mal-entendido, o segredo de seu gozo, se encontra no centro de seu funcionamento. "Essas contingências se fazem ainda mais patentes e diversas hoje, pelas incidências que a técnica tem sobre o real do corpo, a ponto de ter modificado a própria organização que o significante-mestre comandava sobre a economia do gozo. Hoje, pode-se muito bem pedir uma família, à medida do fantasma de cada um"[8].

As famílias se reordenam hoje, seguindo as derivas do real da não relação sexual e de uma economia de gozo que não se subordina a um significante particular, seja o Nome do Pai ou qualquer outro que queira substituí-lo[9], porque "na economia do gozo, um significante mestre vale o mesmo que qualquer outro"[10].

Tradução: Maria Cristina Maia (EBP/AMP)

NOTAS

  1. Roy D. Roy, Daniel. "Pais exasperados – Crianças terríveis". Texto de orientação à 7ª Jornada do Instituto Psicanalítico da Criança. 2021. Disponível em francês: https://institut-enfant.fr/uploads/2021/01/parents_exasperes.pdf
  2. Miller, J.-A., Conferencia de clausura de las Jornadas Valencianas. Cuadernos Andaluces de Psicoanálisis Nº18, Málaga 1996. Pág. 34
  3. Miller, J.-A., "Cosas de familia en el inconsciente", Mediodicho, Revista de Psicoanálisis N° 32, Publicación de la Escuela de la Orientación Lacaniana, Sección Córdoba, 2007
  4. Lacan, J. Nota sobre a criança. In Outros Escritos, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, p. 369
  5. Lacan, J., "El malentendido",10/06/80 http://www.psicoanalisisinedito.com/2015/06/jacques-lacan-el-malentendido-10061980.html.
  6. Lacan, J., "Conferencia en Ginebra sobre el síntoma", Intervenciones y textos 2, Manantial, Bs. As., 2006, p. 115
  7. Bassols, M. "Famulus" En: Lacan XXI. Revista FAPOL on line. Volumen 2, 25 de octubre de 2016.
  8. Ibid.
  9. Ibid.
  10. Miller, J-A. O inconsciente e o corpo falante. In Scilicet O corpo falante. Sobre o inconsciente no século XXI. AMP/EBP, p. 19