"Eu gostaria que meu filho começasse uma análise.
Quantos anos ele tem?
23 anos.
Ah, ele poderia me ligar?
Ele não vai ligar...
Ok".
É assim que costumo receber pedidos de análise de jovens. É o Outro que marca o encontro. A tirania do rapaz de 23 anos, que já atingiu a maioridade para a lei, manda a mãe pedir o encontro. "Coaching parental"[1], como Daniel Roy o nomeia.
Talvez ele já esteja na faculdade, talvez já tenha tentado quatro carreiras diferentes, talvez já tenha consultado cinco analistas, talvez tenha namorada ou namorado, talvez com o consentimento de um parceiro aberto, talvez gaste em tinder ou grindr, talvez gaste a noite inteira no Fortnite, talvez ele queira ver outro psiquiatra/terapeuta/psicoastrólogo, talvez seja a exigência dos pais dada a convivência impossível, talvez o analista seja mais um na série de zapping que ele está passando.
Todo o brilho do Século XXI foi cooptado pelos jovens. É algo novo, não acontecia em outros tempos. Pertencer ao grupo de jovens parece ser o melhor lugar para se estar neste momento. Se tivéssemos que colocar em uma mesa os traços de quem vem nos ver, diríamos: falta de vontade, sentimento de estar perdido, leveza nas escolhas, liquidez nos laços, preguiça... Encontramos jovens e adolescentes na posição infantil[2]. Marina Recalde diferencia ser jovem de uma posição jovem. A posição infantil implica esperar do Outro a resposta, que lhe diga o que fazer, como pensar, o Outro é o provedor.
"Diga-me do que estou falando", "O que eu tenho que dizer?".
Recebemos jovens que esperam uma resposta do Outro. Em um tempo em que há um empuxo para prolongar a posição infantil.
Recentemente, recebi um rapaz de 19 anos que me disse: "Escolhi você porque, li em algum lugar, que você faz até as pedras falarem, e eu preciso que você me faça falar".
Não há vergonha em não saber. O saber perdeu seu agalma.
Estamos em um tempo mais atravessado pela lógica do ter do que pela lógica do ser. E, nesse ponto, acho que uma psicanálise que oferece um espaço para que algo de amor aconteça, implica um forçamento ao laço com o Outro por meio do amor em detrimento do ter. Se isso acontece, já é algo interessante. O amor é a lógica de dar o que não se tem.
Se o amor faz o gozo condescender ao desejo, contar com um dispositivo que depende do amor de transferência implica uma forma de tocar o gozo do sujeito e que permite a emergência do desejo.
O problema contemporâneo é quando o sintoma, com o qual o sujeito chega, não se constituiu de maneira clássica, não seguindo o caminho do saber do inconsciente, não há consentimento para ler algo ali, o analista pode se perder e acreditar que tudo é isso.
Os analistas de hoje, devemos fazer mais um esforço... precisamos estar atualizados com o tempo, estar mais abertos aos novos modos de gozar, e nos entusiasmar com o desafio de fazer disso com o que o sujeito traz como desconforto, um sintoma analítico, ou seja, analisável para que o sujeito possa enodar o gozo, e que o sintoma entre no discurso.
Tédio, preguiça, desinteresse, falta de bússola... São sintomas?
Não o são se seguirmos a lógica freudiana da constituição do sintoma. Porém, são sintomas enquanto autoavaliação do candidato a analisante, e são localizados por ele como aquilo de que sofre.
Voltemos ao tema desta edição da Revista Rayuela.
Recentemente, estreou na Broadway, Harry Potter e a Herança Maldita. Anos se passaram, agora é Harry Potter que tem um filho adolescente: Alvo Potter. Na primeira cena da peça, Harry Potter está com seu filho. Eles estão fazendo as malas, uma vez que Alvo partirá para o colégio no dia seguinte:
"Harry: Posso lhe ajudar com a bagagem? Eu adorava fazer as malas. Significava que eu estava indo para a Privet Drive e voltando para Hogwarts. E era isso... Bom, eu sei que você não é encantado pela escola, mas…
Alvo: Para você é o melhor lugar do mundo. Eu já sei. O pobre órfão, maltratado por seus tios Dursley…
Harry: Por favor, Alvo. Não poderíamos…?
Alvo: ...traumatizado por seu primo Dudley, salvo por Hogwarts. Eu já sei de cor, pai. Blá blá blá.
Harry: Não vou morder o anzol, Alvo Potter.
Alvo: O pobre órfão que salvou a todos. Então, em nome da comunidade de bruxos... declaro o quanto somos agradecidos por seu heroísmo. Temos que nos curvar ou um aceno de cabeça será suficiente?
Harry: Por favor Alvo. Nunca procurei ser agradecido.
Alvo: E ainda, olhe: estou transbordando de gratidão. O que você imaginou que aconteceria? Que nos abraçaríamos? Que eu diria a você que eu sempre te amei? O que? O que?
Harry: (que acaba perdendo a paciência) Sabe de uma coisa? Estou farto de você me tornar responsável por sua infelicidade. Pelo menos você tem um pai. Porque eu não tive, você me entende?
Alvo: E você considera isso uma desgraça? Eu não.
Harry: Você preferia que eu estivesse morto?
Alvo: Não! Eu apenas queria que você não fosse meu pai.
Harry: (furioso) Olha, às vezes eu preferia que você não fosse meu filho também."[3]
Chegou até em Harry Potter. A crise da família na pós-modernidade. Na época da queda do Nome do Pai, isso implica que a autoridade e os ideais estão enfraquecidos e o desejo tem uma existência frágil.
Os objetos a ficam soltos e isolados. Este exemplo que trouxe hoje aqui ilustra a incoerência do papel do pai, cuja eficácia ao nível da castração está debilitada.
Jacques-Alain Miller aponta em "En dirección a la adolescência"[4] que o saber, que antes era colocado nos adultos, pais, educadores, e sua mediação necessária para acessá-lo, hoje está automaticamente disponível na simples solicitação formulada à máquina. O saber no bolso não é mais o objeto do Outro.
A desorientação na parentalidade, em muitos casos, leva a procurar um analista para perguntar o que fazer, como lidar com esses jovens que buscam ser respeitados e demandam respeito incondicional[5].
O paradoxo é que se trata de uma demanda desarticulada do Outro. É uma demanda vazia porque "seria bom ser respeitado por alguém que você respeita. Mas como nada nem ninguém é respeitado, há uma falta de respeito por si mesmo"[6].
Para finalizar, uma indicação clínica: "Nunca infantilize o jovem, nem a criança. Em vez disso, "adultize-o", dirija-se ao adulto nele, aposte que ele não demanda outra coisa senão tomar a palavra[7].
Tradução: Inês Seabra Rocha (EBP/AMP)
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