COMO A ÉPOCA INCIDE NA CRIAÇÃO DE FANTASIAS POR PARTE DA CRIANÇA?
_Marcela Ana Negro

Obra: "Piedras textiles, rellenas y blandas"
Artista textil: Analía Gaguin

A criança é feita para aprender algo, ou seja,
para que o nó se faça bem.
Jacques Lacan

Função da fantasia

A fantasia é uma trama que tece uma defesa contra o trauma de nascer mal-entendido e fia a cena montada pela brincadeira e pelo desenho. Se constitui, para Freud, como resultado de uma soldagem: "uma fantasia inconsciente tem uma conexão muito importante com a vida sexual do sujeito; de fato, é idêntica à fantasia que serviu para lhe dar satisfação sexual durante um período de masturbação. Nesse período, o ato masturbatório (no sentido mais amplo da palavra) compunha-se, nessa época, de duas partes. Uma era a evocação de uma fantasia e a outra um comportamento ativo para, no momento culminante da fantasia, obter autogratificação. Como sabemos, esta composição consiste numa soldagem. Originalmente, o ato era um processo puramente autoerótico que visava obter prazer de uma determinada parte do corpo que pode ser denominada de erógena. Mais tarde, esse ato fundiu-se a uma ideia plena de desejo pertencente à esfera do amor objetal, e serviu como realização parcial da situação em que culminou a fantasia [...] estará dada a condição para que sua fantasia inconsciente reviva e se desenvolva, começando a atuar, pelo menos no que diz respeito a parte de seu conteúdo, com todo vigor da sua necessidade de amor, sob a forma de sintoma patológico"[1]. A soldagem é realizada pela fantasia e entrelaça a pulsão, o amor e o desejo.

Nesse ordenamento freudiano nos ressoam os três registros de Lacan. Mas, para este, o real, o simbólico e o imaginário não se soldam, apenas se enodam; e o fazem não por intermédio da fantasia, mas pela via do sinthome, que articula fantasma e sintoma.

Somos seres falantes. Portanto, o tratamento do gozo que nos é próprio precisa passar pela palavra. A fantasia é um modo singular que cada um tem de tratar o gozo pela via do simbólico. O que acontece quando não se dá lugar para que a criança crie sua própria ficção que a localiza no mundo?

A fantasia na época da tecnociência

É evidente que a tecnociência não está dirigida apenas aos adultos. Pelo contrário, muito dela está idealizada como indústria para as crianças, os adultos de amanhã.

Atualmente, o Outro digital fala mais à criança do que os adultos que o rodeiam. Esse Outro da tela tem a particularidade de dizer o mesmo a qualquer um, fazendo de todas as crianças a mesma criança. A época, através de suas telas e de sua internet, invadiu a vida dos pequenos com fantasias prêt a porter para todos iguais. Assim, fomenta um modo de gozo e de laço homogêneo, único, sem corpo. Oferece um desejo incapaz de ser "não anônimo"[2]. Impede a criança de se servir de seus significantes mestres para tratar seu gozo singular.

A criança que fica deslumbrada pela tela não fantasia; as máquinas o fazem por ela. Ela, o objeto consumido, fica à mercê de jogos nos quais a única coisa que lhe é exigida são reações rápidas e atenção descentralizada (não mais metonímica, mas em várias dimensões e direções de uma vez: em rede). Não há "estrada principal". Se promove um outro modo de organização subjetiva baseado no que o filósofo Éric Sadin[3] descreve como uma ideologia que valoriza o fluido, o horizontal, o livre da terceira instância e a instantaneidade do intercâmbio sem limite. Dá liberdade e autonomia em relação ao outro, mas escraviza em relação ao digital. Esses dispositivos convidam para que a subjetividade funcione da mesma maneira que os algoritmos; mas, por sua vez, se impõem como uma inteligência superior à humana que se oferece como um Outro auxiliar à serviço de um ser que resta "falado" (um parle-être) pela IA (inteligência artificial).

Passamos, em questão de algumas décadas, por várias transformações subjetivas que não sabemos onde vão parar: o empresário de si, depois, o indivíduo-autodeterminado e agora está surgindo uma nova forma: a do indivíduo-automatizado. Como o partêtre é afetado em cada uma dessas formas?

Não nos esqueçamos de outra particularidade da época que anula a fantasia infantil: youtubers, tick-tockers e influencers estão sustentados pela mesma estrutura algorítmica dos jogos digitais. E têm a particularidade de introduzir a criança em uma "memificação" – uma banalização – das condições de vida. São a nova pornografia: simulam que a proporção sexual existe, que o gozo total é possível e que a imagem é rainha. Nada é sério, ninguém se responsabiliza, tudo é instantâneo, tudo é consumismo, tudo é virtualidade.

O lugar do analista

Descreverei em seguida algo que é, no meu entender, uma consequência direta do que acabei de mencionar.

Acontece com muita frequência que, quando as crianças trazem bonecas de casa para a sessão, ainda não deram um nome a elas. Nomeá-las, no consultório, é uma tarefa árdua da qual logo se esquecem: apenas conseguem cumpri-la por meio de uma associação metonímica, a partir daquilo que o boneco representa ("Cãozin") ou da cor que predomina ("Lila"); nada de metáfora. Não brincam com elas e muito menos com as do consultório: olham para elas, as tocam, voltam a deixá-las. Não estabelecem laço entre o que lhes é próprio e o que encontram ali. Nesses pequenos, a fantasia não parece ter conseguido terminar de produzir a solda mencionada por Freud. Elas se apresentam inibidas ou desreguladas. Que comecem a brincar dá notícias da entrada em transferência.

A brincadeira de uma criança é algo sério, é o modo pelo qual elabora o mal-entendido que a fez nascer como ser falante, dando-lhe forma de mito. Se a brincadeira é criada por uma máquina, o pequeno é apenas levado a entrar nela. Miller[4] indica que a criança que brinca só, brinca com o Outro: com o Outro que é construído nela. Nos jogos automatizados, não há Outro da criança; é o Outro digital, exterior. Não é a criação própria que se desenrola; além disso, a que se impõe em seu lugar não serve para cumprir a função própria da ficção que é a de permitir-lhe enquadrar o próprio gozo de modo a construir sua realidade e seu laço com o outro. A partir disso, observamos consequências no consultório como essa que acabei de descrever.

Isso nos introduz uma hipótese: a de que as crianças de hoje são empurradas, qualquer que seja sua estrutura, a se introduzirem na ordem do nomear para[5].

O social irrompe nas famílias, impondo um novo modo de nó e produzindo uma tração a deixar-se nomear para o algoritmo. Hoje, a tecnociência é o Outro com o qual cada um faz laço. E o desejo desse Outro tecnocientífico é um desejo de uma "criança-usuária" (é anônimo, prêt a porter e totalitário – o mesmo para todos –). Por trás de sua face benéfica de liberdade irrestrita e de autodeterminação, compele à sutura da divisão própria ao ser falante através do depósito da responsabilidade subjetiva na IA: não há mais tempo de compreender nem de concluir; ela pensa e decide por nós. Há anomia da lei do significante que transmite o pai, mas, no seu lugar, há imposição da lei do algoritmo, que introduz uma ordem de ferro.

Hoje em dia, nossa função como analistas parece ser a de criar condições que permitam que as crianças alcancem um saber: o saber de que elas podem criar ficções próprias. Me pergunto se, nesses casos, será questão de perturbar a defesa ou se tratará, talvez, de introduzir a dimensão do dom do amor – própria ao interesse da mãe pela criança como consequência de suas faltas, dando conta do lugar de objeto causa que um filho pode ocupar para sua mãe –; dimensão que, atualmente, parece estar invalidada.

Tradução: Jaqueline Coelho (EBP/AMP)

NOTAS

  1. Freud, S., (1908) Fantasias histéricas e sua relação com a bissexualidade. Em: Obras completas de Sigmund Freud, volume IX. Rio de Janeiro: Imago, 1996. (p.150-151)
  2. Lacan, J., Nota sobre a criança. Em: Outros escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
  3. Sadin. É., La siliconización del mundo, Buenos Aires, Caja Negro, 2018.
  4. Miller, J.-A., Del síntoma al fantasma y retorno, Paidós, Buenos Aires, 2018, p. 55.
  5. Lacan, J. Seminário 21, Os não-tolos erram, aula 10, de 19 de março de 1974, inédito.