POR QUE É TÃO DIFÍCIL DORMIR PARA AS CRIANÇAS?
_Mirta Berkoff

Obra: "¿Estás ahí?"
Artista visual: Carmen Aztibia

Por que é tão difícil dormir para as crianças? Por que cantamos canções de ninar ou contamos histórias para eles dormirem? Se o sonho de uma criança fosse uma pura realização de desejos, por que não é agradável para as crianças entregarem-se a sonhar? Como explicar os tão frequentes "sonhos feios"?

O sonho guardião

Freud se dedicou a explicar como se formam os sonhos. Em sua primeira teoria, propõe que, ao dormir, o eu baixa a guarda, permitindo que, através de um trabalho de condensação e deslocamento que deforma o recalcado, os conteúdos do inconsciente podem emergir. É assim que o sonho poderia realizar os desejos inconscientes de forma alucinatória, sem muita censura.

Através destas deformações, o sonhador toleraria as representações. Nesse aspecto, o sono seria efetivamente o guardião do sono.

Freud acrescenta que, no caso das crianças, a realização de desejos seria mais direta, uma vez que a censura ainda não havia atuado. O sonho, então, teria menos necessidade de se disfarçar. Um exemplo de Freud é o de sua filha Ana que, após um dia de dieta, murmura durante o sono "morangos, morangos frescos, mingau". Freud o coloca entre os sonhos de crianças famintas, que se satisfazem alucinatoriamente. No entanto, a partir dessa primeira teoria do sonho, não se explicaria a recusa das crianças em dormir, geralmente acompanhada de angústia.

O que o sonho vela

Que monstros se escondem aos pés da cama? Uma nova teoria em Freud chega mais perto de responder a nossa pergunta. A repetição do trauma nos sonhos traumáticos, até mesmo no Fort Da da criança, tornarão evidentes a compulsão à repetição e a pulsão de morte. O sonho passa a ser uma tentativa de realização do desejo, mas, com a possibilidade de fracasso, já que uma fixação pulsional traumática pode se tornar ativa e vir à tona.

O sonho tem, então, uma origem traumática e se aproxima da ideia de Lacan de que nele há um real implicado. Real que pode ser eficazmente velado ou não, e neste último caso dar origem, então, aos pesadelos. É um ponto de falha na rede simbólica que tece o sonho. Estamos diante do Unerkannt freudiano, do não reconhecido, do ponto no qual se detém o sentido do sonho. Esse não simbolizado, nem simbolizável, se enlaça, para Freud, ao recalque primário. Aquilo que não pode ser dito é, para Lacan, um furo da ordem do real. O que se esconde aos pés das camas das crianças é um furo na rede dos ditos, próximo ao real traumático.

Pesadelos infantis, os "sonhos feios"

A criança está, por estrutura, mais próxima do primordialmente recalcado, mais à mercê do real traumático. Isso a torna, portanto, mais próxima daquilo que no sonho, se apresenta como insondável, sendo esse ponto de falha no tecido, o que desperta nos sonhos.

Ao não contar ainda plenamente com a rede simbólica, a criança não tomou posição em um discurso. No grafo do desejo, situamo-la em um entre dois, entre enunciado e enunciação. Isto tem como consequência, que se encontre carente de colocar em marcha, o processo de deciframento inconsciente, que velaria eficazmente o pesadelo. Sem toda a estrutura que provê a neurose, torna-se mais difícil elaborar, mediante o trabalho do sonho, o pulsional que aflora.

Se "o simbólico se afrouxa, então pode advir uma irrupção de gozo sobre o corpo, um acontecimento de corpo que desperta"[1]. Consideramos, então, o pesadelo como um acontecimento do corpo que torna presente o indizível. Confronta o sujeito com um significante opaco, um vazio de significação no Outro. Vicente Palomera trabalhou este tema em: "Dormir não é tão fácil", "(…) o pesadelo põe em jogo um gozo obscuro que não se apresenta em forma de linguagem: dele, não se pode dizer nada, é opaco, impensável e inominável"[2].

No latim, pesadelo é chamado de incubus, a tradução de "in" é "sobre" e "cubare" é "jazer", "deitar-se". Na crença e na mitologia popular europeia da Idade Média, Incubus era um demônio que se supunha pousar em cima da vítima adormecida para ter relações sexuais. Ou seja, era um monstro que vinha gozar secretamente do sujeito durante o sonho.

A mitologia deu sentido àquele vazio de significação que Freud localizou como Unerkannt no sonho, fazendo existir o Outro que não existe. O demônio, nada mais é do que a figura do Outro gozador que o sujeito inventa na fantasia. Os monstros nas crianças têm a mesma origem, fazem existir um Outro mau, mas, mesmo assim, um Outro. O monstro põe um nome nesse buraco de significação. Os monstros são a tentativa de remendo com a qual se dá forma ao informe que se apresenta durante o sonho.

O livro "Duermete niño"[3], de Eduard Estivill, foi traduzido para 22 idiomas e, com ele, se tentou fazer dormir, milhões de crianças. Isso evidencia que dormir para a criança não é tão fácil e ajudá-la a dormir também não é tão fácil para os pais. A história, a canção de ninar ou o bicho de pelúcia são uma rede de palavras e objetos tecidos na antessala do sonho que tentam nomear de outra forma para a criança algo desse gozo sombrio que a ameaça enquanto ela dorme.

Tradução: Mª Cristina Maia Fernandes (EBP/AMP)

NOTAS

  1. Berenguer Eric, Conferencia "Con qué sueñan los niños", https://www.google.com/url?q=https://www.cdpvelp.org/resena-conferencia-enric-berenguer-con-que-suenan-ninos
  2. Palomera Vicente, "Dormir no es tan fácil", https://www.google.com/url?q=https://elp.org.es/dormir-no-es-tan-facil
  3. Estivill Eduard, "Duermete niño", Ed. Delbolsillo, 2009